O vírus da hepatite E (HEV) é o agente etiológico responsável pela maioria dos quadros de hepatites agudas no mundo. Ainda que o curso evolutivo desses quadros culmine em pacientes assintomáticos ou autolimitados, alguns grupos como gestantes e pacientes imunocomprometidos podem desencadear quadros graves de hepatites agudas e até crônicas. A hepatite E possui padrões epidemiológicos distintos, sendo que os genótipos 1 e 2 possuem o homem como hospedeiro exclusivo e está associada aos grandes surtos, os genótipos 5 e 6 possuem o ciclo exclusivamente em animais, enquanto os genótipos 3, 4, 7 e 8 detém caráter zoonótico. Tanto no Brasil quanto em Portugal o HEV autóctone ocorre exclusivamente associado ao genótipo 3 e é transmitido majoritariamente por carne de suiformes (porcos e javalis), entretanto esse vírus tem sido reportado em inúmeros reservatórios silvestres. Portanto o objetivo deste trabalho foi averiguar potenciais reservatórios do HEV em animais silvestres de modo a incrementar o
conhecimento epidemiológico deste vírus. Então foi realizada uma revisão sistemática de todos os artigos sobre HEV no Brasil, com buscas em 5 bases de dados indexadas de modo a detectar possíveis lacunas. Com este trabalho foi possível identificar que o padrão epidemiológico do HEV no Brasil dependa da circulação do genótipo 3 de transmissão zoonótica. Nos cervídeos foi pesquisada a presença e caracterização do HEV em fezes de
veados de vida livre em Portugal, nomeadamente veados vermelhos (Cervus elaphus) (n=95) e de gamos (Dama dama) (n=35) através de nested RT-PCR pan-genotípicos seguido de sequenciamento bidirecional e análise filogenética. Duas fêmeas de veado vermelho, amostradas no centro de Portugal, foram positivas para o HEV (2,1%; intervalo de confiança de 95%: 0,58-7,35). O sequenciamento e caracterização genética mostraram que estas duas amostras HEV eram 98,96% idênticas, sendo ambas do genótipo HEV3, subgenótipo 3e. Este subgenótipo foi recentemente associado a infecções graves em humanos na Europa. Este é o primeiro relato de HEV em cervídeos de Portugal. O crescente número e distribuição de veados na região e as características zoonóticas do genótipo HEV3 subgenótipo 3e em circulação realça a importância da vigilância contínua dirigida às doenças de origem alimentar, especialmente as que envolvem animais selvagens e veados em particular. Por fim, foi conduzida uma investigação acerca da presença do HEV em fezes de micromamíferos de Portugal, nomeadamente em rato mediterrânico (Mus spretus) (n=26) e o, musaranho de dentes brancos (Crocidura russula) (n=14). Foi realizada a nested RT-PCR para a região ORF1 e ORF2, obtendo apenas a amplificação de uma amostra usando o primer com alvo na ORF2, sendo o amplificado submetido ao sequenciamento genético bidirecional. Dentre as 40 amostras analisadas, apenas uma amostra de Mus spretus foi positiva (2.5%; 95% CI: 0.06-13.16), evidenciando a ocorrência de 3.85% (95%CI: 0.01-19.64) (1/26) para a espécie. Após análise pelo HEVtool, foi caracterizado como HEV3e. Ainda que a maioria da literatura científica reporte a ocorrência de Orthohepesvirus C em roedores, neste estudo é
apresentado pela primeira vez a ocorrência de Orthohepesvirus A, HEV3 subgenótipo 3e em Mus spretus. A detecção deste patógeno em roedores sinantrópicos reforça a importância na vigilância de potenciais hospedeiros e aumentar o risco de spillover evidenciando a abordagem de saúde única no controle e prevenção de endemias.
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