Na sequência da série especial “Bora se cuidar” da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a discussão sobre suplementos alimentares ganha novos contornos com foco nos dois produtos mais utilizados e estudados da atualidade: whey protein e creatina. A matéria reúne contribuições de três especialistas com trajetória vinculada à UFMT: o professor Carlos Alexandre Fett, pesquisador em metabolismo e nutrição esportiva; o educador físico Cleber Almeida, especialista em fisiologia e nutrição esportiva; e a professora Cláudia Andrade, docente de Bioquímica da Faculdade de Medicina.
Ela destaca que, no organismo, as proteínas desempenham funções essenciais para o metabolismo, reparo e manutenção dos tecidos. “Nossos corpos são construídos basicamente de proteínas — na pele, nos cabelos, nos órgãos, no sangue. São essas moléculas que conferem estrutura e permitem que o corpo funcione corretamente. Elas também participam da comunicação entre células e regulação de processos biológicos vitais.”
Para Cláudia, entender essa complexidade é importante para não reduzir as proteínas apenas ao papel de fonte de energia ou ao ganho de massa muscular. “A síntese proteica, ou seja, o processo de formação de novas proteínas, depende de aminoácidos essenciais que o corpo não produz, e que precisamos obter pela alimentação.”
Entender antes de consumir
Para Cleber Almeida, educador físico e especialista em fisiologia do exercício, a popularidade do whey nas redes sociais nem sempre vem acompanhada de compreensão técnica. “Todo mundo hoje se diz entendido, mas poucos realmente sabem o que é o whey, como ele é produzido ou quais seus efeitos reais no corpo humano”, afirma.
O suplemento, derivado do soro do leite, é considerado uma proteína de alto valor biológico — e especialmente importante após os 40 anos, quando o corpo passa a sofrer com a sarcopenia, ou perda natural de massa muscular.
A versão mais pura do produto, o whey isolado, possui até 93% de proteína e praticamente zero lactose e gordura. Estudos científicos já catalogam 77 benefícios fisiológicos e metabólicos associados ao consumo regular do suplemento, desde o aumento de massa magra e força muscular até efeitos positivos no sistema imune, saúde intestinal, controle glicêmico e apoio cognitivo.
Porém, Cleber alerta que quanto mais saborizado o produto, menor tende a ser sua qualidade. “Aromas e adoçantes mascaram a pureza da proteína. O ideal é optar por versões neutras ou, no máximo, de baunilha”, recomenda.
Nem toda proteína é igual
Segundo Cláudia Andrade, nem todas as proteínas são iguais em termos de aproveitamento pelo corpo. “A qualidade de uma proteína está relacionada ao teor de aminoácidos essenciais, digestibilidade e absorção. Uma proteína pode ter uma excelente composição, mas se não for bem absorvida, seu valor biológico é comprometido.”
Ela explica que o valor nutritivo das proteínas depende de fatores como sua estrutura química, a presença de fibras e de substâncias antinutricionais, o tipo de processamento a que foi submetida e a combinação com outros alimentos.
Proteínas vegetais, por exemplo, tendem a apresentar digestibilidade inferior às de origem animal. “Mas, com combinações corretas — como arroz com feijão ou suplementos à base de soja e ervilha — é possível alcançar uma composição nutricional bastante eficiente.”
A professora também destaca que a quantidade diária de proteína não garante, por si só, uma nutrição adequada: “O consumo médio recomendado pode ser atingido, mas se a fonte for pobre em aminoácidos essenciais ou de baixa absorção, não haverá síntese proteica eficaz. A qualidade importa tanto quanto a quantidade.”
Ciência e modismos: opiniões divergentes
O professor Carlos Alexandre Fett, da Faculdade de Educação Física da UFMT, acrescenta uma perspectiva importante sobre os riscos atribuídos ao consumo de whey protein. Segundo ele, não existem estudos científicos que comprovem que o whey provoque sobrecarga renal em pessoas saudáveis. “Durante meu doutorado, acompanhei pesquisas com pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), que recebiam suplementação com whey. Esses estudos mostraram que o suplemento tem ótima absorção e não gera sobrecarga aos rins. Pelo contrário, é recomendado até para crianças e pacientes críticos”, explica.
Ele alerta que os problemas surgem quando jovens buscam resultados rápidos e acabam usando substâncias ilícitas nas academias, e não propriamente pelo uso correto do whey. Fett ainda compartilha que oferece whey para seu filho desde pequeno e que sua esposa consumiu durante a gestação, dada a alta qualidade nutricional do produto e seus inúmeros benefícios cientificamente comprovados.
O professor reforça que, para idosos, a suplementação com whey e creatina pode ser fundamental, pois a capacidade de absorção de nutrientes diminui com a idade. “Meu pai fez uso desses suplementos prescritos por médico, e isso ajudou muito para manter a massa muscular e a saúde geral.”
Apesar dessa visão otimista sobre o whey, Fett ressalta que o acompanhamento por profissionais capacitados é sempre a melhor indicação. “É importante evitar o uso indiscriminado e sem orientação. O que a ciência recomenda é suplementar com base em avaliação individualizada, sempre com supervisão técnica.”
E a creatina?
A creatina é outro suplemento amplamente estudado e recomendado. “É um dos suplementos mais pesquisados do mundo, com benefícios que vão muito além da academia”, afirma Cleber Almeida.
Os estudos apontam melhora na força, hipertrofia muscular, recuperação e até na cognição, especialmente em idosos, mulheres na menopausa e pacientes com doenças neurológicas.
Ele explica que a creatina atua na ressíntese de ATP (molécula essencial para energia muscular), ativa vias bioquímicas fundamentais para regeneração muscular e apresenta ação antioxidante. “Mesmo uma única dose pode beneficiar a função cognitiva em pessoas com privação de sono”, afirma Cleber, citando revisão científica recente (Ver referências ao final da matéria).
Quando o excesso atrapalha
Cláudia Andrade reforça que o consumo excessivo de proteínas, principalmente de origem animal, pode trazer prejuízos à saúde. “Pode haver sobrecarga dos rins e fígado, além de risco de cálculos renais e distúrbios metabólicos, especialmente se a ingestão de água for insuficiente.”
A professora destaca que o ganho de massa muscular não depende apenas de proteína. “Treino adequado, descanso, hidratação e uma dieta equilibrada são indispensáveis. O corpo precisa de um conjunto de estímulos e nutrientes para ativar a síntese proteica.”
Sobre esse aspecto, Carlos Fett e os entrevistados apontam que a nutrição esportiva deve ser vista como parte de um plano de saúde e bem-estar. “Existe ciência, existe esforço e existe acompanhamento. Não existe milagre”, conclui Fett.