Os resíduos produzidos cotidianamente ainda são um desafio na sociedade, em especial aqueles provenientes de medicamentos ingeridos pelos seres humanos, pois não são totalmente metabolizados e consequentemente excretados intactos pela urina e fezes chegando aos esgotos domésticos e/ou hospitalares. Cedo ou tarde impactam no consumo de água destinados ao humano e também outros seres vivos.
Com intuito de investigar caminhos para degradação de alguns desses compostos, pesquisa conduzida pelas Universidades Federais de Mato Grosso (UFMT) e de São Carlos (UFSCar), tem como objeto de estudo a Tansulosina, que é amplamente utilizada pela população masculina no tratamento de distúrbios prostáticos, como a hiperplasia prostática benigna (HPB). Ela também é utilizada por pacientes no processo de expulsão de cálculos ureterais.
Em recente artigo publicado na Revista de Engenharia Química e Ambiental, com título “Sobre a degradação fotoinduzida da Tansulosina: Quanto mais simples melhor”, os pesquisadores apontam que a molécula de Tansulosina sofre degradação considerável quando irradiada diretamente com radiação ultravioleta (de 254 nm), observação que é suportada e complementada com as informações provenientes dos cálculos computacionais realizados através da utilização de abordagens baseadas em mecânica quântica.
“Por outro lado, há trabalho científico na literatura relatando que a Tansulosina não foi degradada quando se utilizou um aparato composto pela combinação de luz UV com um material compósito que, anteriormente, tinha sido empregado (com sucesso) como fotocatalisador na degradação de outras duas substâncias”, contou o coordenador do projeto e docente do Centro de Ciências da Natureza, da UFSCar, e dos programas de pós-graduação em Química e em Física, da UFMT, Gabriel Luiz Cruz de Souza.
Contaminação, meio ambiente e saúde
Dentre o time da pesquisa, está o egresso da graduação em Química e mestrado da UFMT, Iuri Neves Soares que reforça que a pesquisa aborda uma das formas de redução da concentração de resíduos produzidos pela atividade humana, especificamente a degradação de substâncias através da interação destas com radiação eletromagnética, de forma geral luz, mas também considerando radiações não-visíveis.
“A princípio a pesquisa não está propondo um novo método mas sim está avançando os conhecimentos em um destes, trazendo investigações úteis em dos possíveis métodos já datados na literatura que é a fotodegradação. A Tansulosina demonstrou experimentalmente considerável degradação numa faixa de radiação acima (energeticamente) da cor violeta, enquanto isso o trabalho teórico explorou os modelos existentes para cálculo e compreensão dos fenômenos relacionados a fotodegradação”, destacou, sugerindo o avanço na compreensão teórica do fenômeno da fotodegradação há de ser útil em futuras pesquisas servindo de um guia para o planejamento da fotodegradação de outras substâncias.
Ainda sobre a importância dos estudos, o grupo sinaliza que outras drogas amplamente utilizadas representam um problema ainda maior, pois suas concentrações podem atingir níveis elevados em rios e lagos, mesmo após passarem por várias etapas de tratamento de efluentes. Em artigo, apontam também que os indivíduos podem estar ingerindo uma quantidade de medicamento sem qualquer necessidade ou, no pior dos cenários, compostos potencialmente nocivos a uma determinada parcela da população.
De uma perspectiva geral, vários estudos envolvendo metodologias de degradação fotoinduzida têm sido apresentados como uma forma eficaz de tratar águas contaminadas [18]. Esses estudos visam transformar moléculas complexas (e tóxicas) em constituintes estruturais (e não tóxicos) mais simples, devido a processos decorrentes da interação da radiação com a matéria. Sobre a temática Gabriel Luiz Cruz de Souza aborda que, de forma geral, os termos “contaminantes emergentes” ou “contaminantes de preocupação emergente” podem referir-se a muitos tipos diferentes de produtos químicos, incluindo produtos de higiene pessoal, de limpeza doméstica, agrícolas e medicamentos.
“Particularmente em relação a estes últimos, existem trabalhos recentes associando a contaminação de ambientes aquáticos em decorrência da utilização de vários tipos de medicamentos, como por exemplo, Castillo-Zacarías et al. – Sci. Total Environ. 757, 143722 (2021) – alertaram para a contaminação por antidepressivos, a qual pode ser verificada através da sua presença crescente no ciclo urbano da água, bem como na sua ocorrência detectada em águas de ambientes não urbanos, como rios e oceanos”, citou, complementando que os autores reportaram que alguns animais aquáticos endêmicos, como certos peixes e moluscos, bioacumulam diferentes medicamentos em seus tecidos.