Pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) publicaram artigo na Revista Internacional de Arte e Antropologia das Imagens "Cinema & Território", da Universidade da Madeira, em Portugal. A temática da edição foi cultura estética e arte. Intitulado "E... se Bazin e Lefebvre se encontrassem com Freud numa sessão de cinema? Anotações para estudo de caso do albinismo na grande tela", a obra aborda uma reflexão crítica da representação fílmica do albinismo - condição causada pela deficiência na produção de melanina, devido à ausência de pigmentação o sujeito apresenta alterações na cor dos olhos, cabelos e pele, causando uma extrema sensibilidade à luz do sol.
Foi feita uma análise estética da trajetória do albinismo no cinema, que constatou uma representação estereotipada e estigmatizada desse grupo, como violentos, assassinos ou idiotizados. O resultado dessa abordagem é extremamente prejudicial para o convívio em sociedade, provocando a difusão em grande escala de preconceitos por meio da indústria cultural, que explora e lucra – em bilheteria – com essa representação limitada, negativa e, por vezes, grotesca, que exclui os portadores dessa condição hereditária da sociedade urbana contemporânea, afirma o artigo.
“Um público não apenas esquecido, como, de certa forma, repudiado pela população diante da falta de conhecimento sobre o que é o albinismo. Ao não saber sobre a sua etiologias, e, principalmente, a transmissibilidade - ou não – desta condição genética, o albino passa a ser temido, portanto, correndo o risco de compor o "grosso" grupo dos excluídos da nossa sociedade, ou seja, fazem os albinos serem vítimas do estranhamento gerado pelo desconhecido”, ressalta a professora Renata Costa do Departamento de Psicologia, uma das autoras do artigo, sobre a importância dessa temática.
O trabalho apresentou ainda, a partir da obra de Danielle Bertolini – cineasta que vem se consolidando como uma diretora vanguardista, uma mudança de perspectiva em curso sobre essa abordagem. O premiado curta "Filhos da Lua na Terra do Sol", conta de forma poética a relação entre pessoas albinas – personagens reais na trama – e o sol de Cuiabá, considerada uma das cidades mais quentes do Brasil e propõe uma nova visão estética da representação fílmica do albinismo.
O professor Ney Arruda, da Faculdade de Direito (FD), também autor do artigo, destaca que toda forma de exclusão deve ser estudada e a obra analisada se configura como um marco específico da filmografia crítica brasileira, que promete bons frutos. “Essa ruptura que a Danielle Bertolini propõe é o retorno de um cinema humanista, um humanismo dialético. Me comoveu e impactou muito quando assisti. O trabalho dela ainda vai trazer muita repercussão a nível nacional e internacional, porque trabalha com essas minorias, tem atuado numa faixa de ressonância que é o cinema tradicional Hollywoodiano, que é bilheteira, não pensa, ou se pensa, não tem sucesso”, destaca o docente.
A análise articula, principalmente, a abordagem do filósofo urbanista e antropólogo francês Henri Lefebvre, que abordou a velocidade da exclusão que a urbanização do planeta estava desenvolvendo; do crítico de cinema da escola francesa André Bazin, que propunha um cinema alternativo, para além do aspecto comercial que o cinema estava tomando; e do neurologista alemão, pai da psicanálise, Sigmund Freud, que teorizou sobre o “estranho”, ou seja, sobre todas as formas de estranheza da sociedade humana e quem são, consequentemente, os inseridos na categoria “estranhos”, aqueles excluídos, que não estão convidados para o convívio em sociedade - autor importante para estudar o mal estar civilizatório que se apresenta na atualidade.
A característica transdisciplinar da produção é um dos diferenciais, que articula diferentes áreas do conhecimento para o desenvolvimento de uma pesquisa inédita. “É o princípio universal do que a gente pode chamar de universitas - comunidades formadas por mestres e estudantes, voltadas para o ensino, pesquisa, produção de conhecimento, reflexão e debate - a universidade é uma confluência de várias áreas do conhecimento diferentes”, ressalta o pesquisador, que também leciona na Faculdade de Comunicação e Artes (FCA). “A gente está contribuindo com mais um tijolinho nessa grande construção que é a universidade”, conclui.
A Revista "Cinema & Território" tem nesta edição artigos de pesquisadores de Madri, Valéncia, Santiago de Compostela, Coimbra, Brasília, Maranhão, entre outros. A obra pode ser acessada pelo canal do You Tube do Cine Teatro Cuiabá.